top of page

Comportamentos curiosos de algumas aves brasileiras

  • avesdaminharioclar
  • 29 de jun. de 2020
  • 5 min de leitura

Aves pertencem a uma classe de vertebrados extremamente diversa, não apenas na sua anatomia mas também nos seus hábitos. Diante de toda essa complexidade, essa semana vamos conhecer algumas curiosidades sobre as aves que dividem conosco o planeta. Os textos foram produzidos pelo Marco Aurélio Pizo, pesquisador, docente e membro da equipe Aves da Minha Rio Claro.     

Especialização extrema

Imagine-se vivendo em uma grande cidade onde há uma variada oferta de restaurantes e, apesar disso, você faz todas suas refeições, todos os dias e por toda sua vida, em uma única rede de restaurantes. Pode ser que haja alguém com esta estranha disciplina ou tamanha exigência, mas é no mínimo espantoso. Assim também o é com algumas aves que se especializaram em procurar comida em locais muito específicos do seu habitat. Em uma floresta, os restaurantes de muitas aves insetívoras1 são as árvores. E há uma variedade delas em uma floresta tropical. Cada uma com sua arquitetura própria e oferecendo alimentos variados. Apesar disso, o grimpeiro (Leptasthenura setaria) obtém todo seu alimento das araucárias (Araucaria angustifolia). Ali passa toda sua vida, procurando entre as grimpas (ramos com as folhas miúdas da araucária) insetos, aranhas e outras guloseimas. Ignora todas as outras plantas da floresta como fonte de alimento, de maneira que o garimpeiro só pode viver onde há araucárias. Não é espantoso?

1 Insetívoras são as aves que se alimentam predominantemente de invertebrados, especialmente artrópodes (insetos, aranhas, etc).

Foto: Carlos Gussoni

Trânsito rápido

A grande inveja que nós humanos temos em relação aos animais é não podermos voar como as aves. Um simples pardal pode alçar voo do nosso quintal e nós não. E o que dizer do voo alto, imponente e tranquilo dos urubus? Que inveja! Mas voar não é nada fácil. Aparte os milhões de anos de evolução necessários para moldar a anatomia das aves ao voo, voar exige muita energia. Minimizar esta energia é imperativo, a começar pela redução do peso a ser carregado durante o voo. Aves que consomem frutos, por exemplo, devem logo se livrar do peso extra representado pelas sementes que, ao contrário da polpa, em geral não são aproveitadas como alimento. Para isso, as aves frugívoras (que comem frutos) têm a anatomia e a fisiologia do aparelho digestório equipados para promover o rápido trânsito das sementes. Um gaturamo (Euphonia spp.), por exemplo, pode defecar as sementes em apenas 5 min após consumir os frutos 1. Ao fazer isso, os gaturamos se livram das indesejadas sementes e abrem espaço no estômago para novos frutos. As plantas agradecem pela dispersão de suas sementes e, para a sorte delas e dos gaturamos, qualquer ponto da floresta é banheiro.

Na foto, é possível observar indivíduos de Gaturamo-verdadeiro (Euphonia violacea) fazendo uma “boquinha”.

1 Guaraldo, A. C., B. O. Boeni e M. A. Pizo. 2013. Specialized seed dispersal in epiphytic cacti and convergence with mistletoes. Biotropica 45: 465-473. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/btp.12041/full

Foto: Luiz Carlos Ramassotti

Mãe zelosa, pai coruja

Bons pais são sempre ciosos de seus filhos e sabem do que eles precisam. Assim também é com as aves. Enquanto estão no ninho, os filhotes são diligentemente alimentados pelos pais e crescem rapidamente. Afinal, ficar muito tempo no ninho é perigoso, pois ainda sem poder contar com seu grande trunfo, o voo, e estando sempre no mesmo lugar, os ninhegos 1 são vítimas freqüentes dos predadores. Para garantir o rápido crescimento dos filhotes e assim torná-los aptos a voar, os pais trabalham duro. Cada ninhego de sabiá-barranco (Turdus leucomelas), por exemplo, recebe de seus pais uma porção de alimento a cada 10 min. Como pode haver até três filhotes no ninho, imagine o trabalho dos pais. Não basta, no entanto, prover quantidade, pois é preciso se preocupar também com a qualidade do alimento. Apesar dos sabiás consumirem invertebrados (insetos, aranhas e minhocas) e frutos, nos primeiros quatro dias de vida os filhotes são alimentados quase exclusivamente com invertebrados. Sim, pois frutos são caracteristicamente pobres em proteínas e, nesta fase em que novos tecidos são produzidos em profusão, uma dieta frugal é naturalmente inadequada. Gradativamente, no entanto, frutos são adicionados até perfazerem aproximadamente 50% da dieta dos ninhegos quando estão prestes a deixar o ninho. Enquanto o peso dos pais diminui durante o período reprodutivo, o dos filhotes aumenta 10 vezes em duas semanas. Sabemos que ser pai e mãe tem seus custos. No caso dos sabiás, estes custos são pagos com a própria massa corporal.

1 ninhego, nome dado ao filhote de ave enquanto ainda esta no ninho.


Foto: Carlos Gussoni

Tamanho é documento

Na natureza, tamanho é documento. Ser pequeno ou grande tem suas implicações. Animais muito pequenos, por exemplo, devem estar constantemente se alimentando. Isso porque quanto menor um animal mais rapidamente ele perde calor para o ambiente. Ora, tudo o que um animal endotérmico1 não quer é que sua temperatura baixe além de um limite mínimo que inviabilize suas funções vitais. Para evitar a hipotermia, estes animais têm que se alimentar, pois o alimento é o combustível que produz o calor de que necessitam. Os beija-flores, por exemplo, estão entre as menores aves e são notórios por passarem a maior parte do tempo procurando alimento entre as flores. Você já viu algum beija-flor descansando por muito tempo? Entre as aves há outros exemplos igualmente interessantes, porém menos conhecidos. Miudinho (Myiornis auricularis) é um nome sugestivo para um dos menores passarinhos que existe, não passando de 6 g de peso. Pode ser encontrado na Mata Atlântica procurando seu alimento, geralmente insetos e aranhas, sob as folhas das árvores. Com vôos curtos raramente superiores a um metro, ora investindo sobre uma presa ora mudando de poleiro para procurar em outra folha, movimenta-se a uma taxa de 8,7 vezes por minuto durante todo o dia. Imagine se pesássemos poucas gramas como o miudinho, quantas vezes teríamos que ir ao supermercado?  

1 Endotérmicos – animais que  mantêm a temperatura corporal mais ou menos constante graças a uma alta taxa metabólica possibilitada pela energia contida nos alimentos.


Foto: Luiz Carlos Ramassotti

Pequenos viajantes

Quando criança, meu pai levou toda a família para ver os aviões no aeroporto de Viracopos em Campinas. Lá chegando, subimos em uma plataforma onde era possível ver o tráfego dos aviões no grande pátio do aeroporto. Havia outras pessoas por ali, todas maravilhadas com as grandes máquinas. Mas o que me chamou mesmo a atenção foi uma pequena tesourinha (Tyrannus savana), que silenciosamente cruzou voando o céu cinza daquela tarde. Ainda que encantado com a ave, não podia imaginar então que talvez ela estivesse empreendendo sua longa viagem migratória. Considero hoje esta possibilidade graças ao trabalho do pesquisador Alejandro Jahn da UNESP de Rio Claro 1, que tem acoplado pequenos aparelhos chamados geolocalizadores 2 nestas aves.  Tais aparelhos permitem traçar os movimentos de longa distância das aves e assim saber que, ao contrário de muitas aves migratórias que cruzam continentes, mares e oceanos, as tesourinhas migram exclusivamente dentro do continente sul-americano. Saem de suas áreas de reprodução, que se estendem ao sul até os pampas argentinos, e anualmente migram para o norte de nosso continente, para Roraima ou as Guianas talvez, onde se reúnem em grandes bandos para passar o inverno austral. Uma viagem de milhares de quilômetros empreendida por uma ave de apenas 30 g! Com toda a admiração pela alta tecnologia embarcada nas grandes máquinas voadoras, as pequenas tesourinhas me impressionam muito mais.

É possível observar o geolocalizador na parte superior do animal indicado pela seta.

¹ http://www.bioone.org/doi/full/10.1525/auk.2013.12077


Foto: Tancredo Maia Filho

 
 
 

Comments


© 2019 Aves da minha Rio Claro. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page