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Comportamentos curiosos de algumas aves brasileiras. pt2

  • avesdaminharioclar
  • 4 de jan. de 2021
  • 4 min de leitura

Essa semana postaremos mais alguns textos produzidos pelo professor Marco Aurélio Pizo.

Gostou do texto? Nos mande uma mensagem em avesdaminharioclaro@gmail.com contando sua relação com as aves, ficaremos felizes em compartilhar sua história!


Bico multiuso


Se na clássica história infantil Chapeuzinho Vermelho encontrasse um tucanuçu (Ramphastos toco) vestido de vovozinha no lugar do lobo-mau, teria que ter tempo para ouvir a resposta à pergunta “Por que este bico tão grande?”. Sim, pois além de se equiparar à cauda do pavão em extravagância e beleza, o bico do tucanuçu tem múltiplas funções. Proporcionalmente ao tamanho do corpo, é seguramente dos maiores bicos que existe, representando de 30% a 50% da superfície corporal do tucanuçu 1. Com ele, estas aves são capazes de apanhar os frutos mais difíceis de alcançar e também predar outras aves e seus ovos. Mas se fosse apenas por esta função trófica 2, seria difícil imaginar o papel das cores que ornamentam o bico. Certamente elas têm a ver com disputas entre indivíduos do mesmo sexo ou ainda com a escolha de parceiros sexuais. Seguindo a lógica dos mecanismos de seleção sexual, podemos imaginar que cores fortes e vibrantes indicam indivíduos igualmente fortes e saudáveis e por isso preferidos como parceiros para acasalamento. Como se não bastasse, o bico do tucanuçu funciona ainda como um grande radiador para a dissipação do calor corporal. Provido internamente de uma rede de capilares, ajustes vasomotores permitem aos tucanuçus direcionarem a circulação sanguínea para o bico quando a temperatura corporal excede certo valor, permitindo assim que o calor se dissipe do sangue para a atmosfera 1. Uma solução evolutiva providencial para quem, como todas as aves, tem o corpo revestido por penas que, por serem boas isolantes térmicas, costumam dificultar a perda de calor corporal. Felizes estes tucanuçus que já nascem com seus próprios canivetes suíços na forma de um bico multiuso.


Para saber mais:

1 Tattersall, G. J., Andrade, D. V., & Abe, A. S. (2009). Heat exchange from the toucan bill reveals a controllable vascular thermal radiator. science, 325(5939), 468-470.

2 Trófico é adjetivo que se refere ao próprio alimento ou ao processo de alimentação.


Fotos: Rodrigo B. Missano

Vida longa às aves!


Algumas aves podem viver por muito tempo. Relatos de papagaios vivendo por décadas em cativeiro e passando das avós que os adotaram para os filhos e netos não são raros. Mas papagaios são aves grandes e espera-se mesmo que vivam bastante, pois há uma relação entre tamanho e longevidade. Animais grandes em geral vivem por mais tempo que animais menores. Mas mesmo aves pequenas surpreendem por sua longevidade. O bicudinho-do-brejo (Formicivora acutirostris), uma pequena ave (9,8 g) que vive nos brejos de maré do sul do Brasil, pode viver e se reproduzir por até 16 anos! Isso está além da expectativa de vida da maioria dos cães, que, no entanto, podem pesar 2000 vezes mais que o bicudinho. Aliás, esta diferença de longevidade não é exceção. Por razões ainda obscuras, aves vivem proporcionalmente mais que mamíferos não voadores. Ou seja, se tomarmos uma ave e um mamífero de igual tamanho, a ave terá maior longevidade. Também por isso aquele pequeno pardal do seu quintal merece respeito. Afinal, apesar daquele aspecto jovial, ele pode ser um ancião. Na imagem abaixo é possível observar uma fêmea (A) e um macho (B) de bicudinho-do-brejo (Formicivora acutirostris).


Fotos: Carlos Gussoni

Ao vencedor, as cidades


Nosso cérebro entende as coisas do mundo mais facilmente se as dividimos em categorias. Melhor ainda com poucas categorias. Feio e bonito, certo e errado, grande e pequeno são algumas categorias que criamos para melhor compreender as coisas que nos cercam. No que se refere à probabilidade de extinção de espécies frente às mudanças ambientais causadas pelo homem, podemos empregar a dicotomia perdedores x vencedores. Enquanto os primeiros correspondem àquelas espécies que enfrentam dificuldades com as alterações ambientais que provocamos, os segundos são espécies que se dão bem com elas. Entre as aves, contamos centenas de espécies “perdedoras” e umas poucas dezenas “vencedoras”. Uma vencedora emblemática é o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), ave das mais populares no Brasil. Não é para menos. O bem-te-vi está entre as aves mais comuns nas cidades, onde sua “gritaria penetra os mais recônditos becos” 1. Consegue explorar uma variedade de alimentos, que vai de invertebrados (insetos, aranhas, minhocas, moluscos) a pequenos vertebrados (peixes, anfíbios, lagartos, morcegos), passando por frutos, pão, bolo, salgadinhos e ração para cachorro 2, 3. Embora seja uma ave diurna, consegue se alimentar à noite graças à iluminação artificial. Constrói seus ninhos em árvores, postes elétricos e cavidades 4. É sem dúvida um vencedor, com flexibilidade ecológica e comportamental para se adaptar aos mais variados ambientes e por isso distribui-se amplamente pelo continente americano. Ao contrário dos perdedores, ainda estará conosco por muitos anos com seu grito tão característico, seja “bem-te-vi” no Brasil ou “kiskadee”, como é conhecido nos Estados Unidos.


1 Sick, H. 1997. Ornitologia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

2 Argel-de-Oliveira, M. M., Curi, N. A., & Passerini, T. 1998. Alimentação de um filhote de bem-te-vi, Pitangus sulphuratus (Linnaeus)(Passeriformes, Tyrannidae), em ambiente urbano. Revta bras. Zool. 15: 1103 -1109. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbzool/v15n4/v15n4a27.pdf

3 Munin, R. L., Fischer, E., & Longo, J. M. 2012. Foraging of Great Kiskadees (Pitangus sulphuratus) and food items offered to nestlings in the Pantanal. Brazilian Journal of Biology, 72: 459-462. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/bjb/v72n3/07.pdf

4 Lago-Paiva, C. 1996. Cavity nesting by Great Kiskadees (Pitangus sulphuratus): Adaptation or expression of ancestral behavior? The Auk 113: 953-955. Disponível em http://www.avibirds.com/pdf/G/Grote%20Kiskadie2.pdf

Foto 1: Yuri Maluf

Foto 2: Carlos Gussoni



 
 
 

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